O texto “As Mulheres e o Simpósio Fluminense de Jogos e Educação” foi uma carta aberta, escrita por ocasião da segunda edição deste evento, realizado em 2019. Nele, Arnaldo V. Carvalho de Ludus Magisterium, em coautoria com a professora Malu Melo (ISERJ) e revisão de uma equipe feminina da própria Ludus, transmitem a preocupação da rede em promover um evento que valorize a mulher e uma sociedade mais equânimem e comentam algumas das iniciativas ocorridas à época.
Originalmente publicado no dia 1 de novembro de 2019 em: As Mulheres e o Simpósio Fl… by Arnaldo V. Carvalho, agora você também por ler por aqui, no site da Ludus Magisterium.
As mulheres e o II Simpósio Fluminense de Jogos e Educação
(…) “no seu jardim não havia agora quase nada… A bem dizer, nada, mesmo… Ela, porém, não estava triste – porque as suas flores deviam andar noutros jardins… E as três meninas abraçaram Noêmia com ternura…
(Trecho de Jardins, conto do livro Criança, meu amor de Cecília Meireles)
Não é oito de março; não é mês das mulheres; não é data comemorativa, mas tratar do feminino é exigência contínua.
Como educadores, entendemos que a valorização da mulher, a equanimidade de direitos sociais e políticos, e o alienável direito de brincar e jogar têm de ser pauta constante.
Nós, organizadores do II Simpósio Fluminense de Jogos e Educação, decidimos contribuir paraesse resgate de espaços e identidades na concepção de nosso evento.
Dados da Organização Mundial do Trabalho (OIT) são assustadores: 100 milhões de meninas entre 5 (CINCO) e 17 anos trabalham, sendo mais da metade (53 milhões) em atividades perigosas, registradas entre as piores formas de trabalho infantil pela Convenção 82 da OIT e pelo Decreto Nacional nº 6.481*. Informações, dados e documentos nos levam a uma triste realidade:
Meninas brincam menos. Têm menos liberdade. São mais violentadas e mortas. Essa situação não melhora na vida adulta. Isso implica em uma perspectiva de vida leve e lúdica bem inferior que a dos homens.
Procuramos, nesse sentido, fazer desse simpósio o mais feminino possível.
Nosso Comitê Científico é composto por quatro mulheres e apenas um homem.
Dentre os membros das mesas, as mulheres ainda são minoria: uma para cada dois homens. Mas nos empenhamos em encontrar e convidar educadoras de qualidade reconhecida. Queremos que essaproporção se iguale em próximas edições e, mais que isso, no universo dos jogadores.
O mundo dos jogos tem sido masculino, mas nada é imutável. Estamos fazendo a nossa parte.
A abertura do simpósio será realizada por duas mulheres: Profa. Suellen Oliveira, uma das fundadoras do coletivo de ludoeducadores Ludus Magisterium, e Profa. Taís Pereira, coordenadora da pós-graduação em Filosofia do CEFET, a anfitriã do evento.
Nossa conferencista-chave, a Prof. Dra. Eliane Bettocchi (UFJF), entra em seguida indagando: “pode o subalterno jogar?” e de sua posição de mulher negra parte para uma reflexão sobre o estado da arte da representatividade não branca, não masculina, não normativa, não ocidental nos jogos narrativos contemporâneos.
A mesa que encerra do evento é 100% feminina, refletindo sobre o jogo e o jogar no século XXI. Um futuro de equidade e respeito entre os gêneros.
Das quatro salas do simpósio, duas marcam nossa posição política pelos nomes que receberam: Professora Tânia Ramos Fortuna e Professora Cecília Meireles.
Fortuna, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é a grande autoridade científica brasileira sobre a importância do brincar e jogar; Meireles, muito além da poetisa conhecida internacionalmente, era uma professora fluminense engajada. Seu nome batiza o auditório principal do simpósio, e representa a luta por uma educação renovada, crítica, prazerosa, lúdica e respeitosa dos tempos da Escola Nova.
Nosso último apoio ao evento vem como mais um registro da feminilização das relações: Calamity Games. Essa empresa tornou-se um símbolo do feminino no cenário brasileiro de jogos de tabuleiro. A personagem Calamity Jane inspira a marca e a direção dessa empresa composta por mulheres só nos honra com sua representatividade tanto simbólica quanto de mercado.
Temos mais oito dias de campanha pelo financiamento coletivo do II Simpósio Fluminense de Jogos e Educação pela frente; até a escrita deste texto, a última e maior colaboração que tivemos havia sido de uma mulher.
Não é oito de março, importa menos os oito dias: nosso oito é de infinito, na direção de umasociedade mais equânime. Cada bater de metas é uma oportunidade de se dar voz ao que está por trásdo lúdico e da educação: as relações humanas.
Para levantarmos todas as questões de gênero, políticas, econômicas e sociais que pudermos gestar, junte-se a nós: a equanimidade é um sonho possível e a educação lúdica nos aproxima dela. Mulheres, educadoras, lúdicas, de todas as origens, estamos esperando por vocês. Venham nos mostrar como feminilizar esse mundo!
* Um texto de Arnaldo V. Carvalho e Maria de Lourdes de Melo Pinto, com colaborações de Tami Bógea, Kate Batista, Ana Paula Deslandes, Cynthia Dias e Júlia Schmidt Leal
* https://reporterbrasil.org.br/2009/06/meninas-sao-mais-vulneraveis-ao-trabalho-infantil/
** A terceira sala do evento foi nomeada Christiano Santos, um professor-jogador-sonhador e nosso amigo, assassinado ao voltar de sua aula no Rio de Janeiro, em 2016; a quarta, Alfonso X (1221-1284), por ocasião do seu aniversário no dia 23 de novembro. Rei de Leão e Castela, amava jogos de tabuleiro e deixou importante registro sobre o jogar em sua época.